Dr.Henrique Dr Henrique
A Raiz da Criminalidade
Os criminosos de hoje são as crianças abandonadas de ontem.
10/11/2025 13h52
Por: Heitor Silva Fonte: OBSERVADOR
Imagem Ilusratrativa Royalty Free – Foto de Stock

A megaoperação realizada no Rio de Janeiro, no último dia 28, contra o Comando Vermelho (CV) – que resultou na maior letalidade de todos os tempos e em dezenas de prisões – demonstrou o que já era de conhecimento geral: uma cidade dominada pelo crime. Essa e outras organizações criminosas não nasceram assim; cresceram pela inoperância do Estado em combatê-las e eliminá-las desde o nascimento.

Vejam-se os excertos abaixo:
"Um dia, um dos soldados de Bil, o chefão mais importante do morro, lamentou-se comigo, dizendo que se via num beco sem saída: tinha muita vontade de largar as armas e procurar um emprego, mas não se sentia capaz de fazer isso [...]. As crianças que nascem nesse clima de violência encaram com naturalidade as armas e o poder do chefão de turno. O pior é que são presas fáceis para os traficantes, que as utilizam como aviões (mensageiros que, às vezes, levam drogas) ou até mesmo como soldados."

Esses trechos foram extraídos do Jornal do Brasil, de reportagem publicada em 30 de junho de 1990. De lá até hoje, já se passaram 35 anos, e a situação continua a mesma – quem entra para o mundo do crime não consegue dele sair; se sair, será morto com requintes de crueldade. As execuções são sumárias, para infundir temor e servir de exemplo – é como funciona o “tribunal das organizações criminosas”.

Um menino pobre, sem formação moral, vivendo em um meio onde prevalece a criminalidade, adota como ídolo um anti-herói – personagem que faz parte de uma organização criminosa –, que enfrenta policiais sem temor, vive em uma casa confortável adquirida com o produto do crime e aparece constantemente nas mídias. Esse menino se espelha nesse marginal porque não lhe foram ensinados valores morais; quando crescer, será mais um monstro que ceifará vidas sem dor ou remorso. Ao contrário, vangloriar-se-á disso.

Um dia, se não morrer em confronto com a polícia, será mais um a habitar os já superlotados presídios, onde se tornará um pós-graduado no crime, e o seu currículo o tornará apto a ingressar em uma organização criminosa.

Nada é mais triste e angustiante do que saber que crianças que poderiam ser úteis à sociedade, como futuros cidadãos, ingressam na marginalidade, ainda em tenra idade, desejando ser como um de seus ídolos. E desse modo se multiplica a criminalidade.

Traficantes, assaltantes e todos os bandidos – até os de alta periculosidade – não nasceram com caráter deformado; adquiriram-no com o passar do tempo, pela ausência da família, da educação, da formação religiosa e espiritual. Não conheceram exemplos de vida dignificantes.

Os criminosos de hoje são as crianças abandonadas de ontem, e assim segue a vida nesses ambientes, num círculo vicioso.

Paulo Freire foi um defensor intransigente do valor da educação para a formação do caráter da juventude, condição decisiva para a transformação da sociedade. Dizia ele:
“Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”

Repito aqui, pela enésima vez, a frase profética do escritor, antropólogo e educador mineiro Darcy Ribeiro em uma conferência em 1982:
“Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios.”

Enquanto a sociedade fechar os olhos para a infância abandonada, para a ausência da escola e da família, continuará colhendo delinquentes no lugar de cidadãos. Nenhuma política de segurança, por mais rigorosa que seja, será eficaz sem a base sólida da educação e dos valores humanos, únicos instrumentos capazes de quebrar o círculo vicioso que transforma meninos em criminosos.

A criminalidade é o fruto amargo da semente da omissão.