Dando continuidade à matéria da semana passada, esta coluna entrevistou mais uma protetora de animais de Pedro Leopoldo, buscando entender a situação atual, que tem se tornado insustentável, não só na nossa cidade, mas no país inteiro.
Como sempre ressaltamos, apesar de existirem leis que asseguram o bem-estar de cães e gatos, na prática, o cuidado com animais em situação de rua e vítimas de maus-tratos acaba recaindo principalmente sobre voluntários.
Segundo nos relata a protetora Márcia Matoso, é preciso lembrar que em Pedro Leopoldo existe a Lei Municipal nº 3.556/2019, que estabelece diretrizes para a política de proteção aos animais. Essa legislação prevê, entre outros pontos, ações de conscientização da população, programas de castração e um registro municipal para mapeamento da população de cães e gatos.
No entanto, essas determinações não são plenamente colocadas em prática, havendo muito a ser feito ainda.
A protetora relembra que, neste ano, foram realizados cinco mutirões de castração, o que é considerado um avanço, mas ainda insuficiente diante do grande número de animais abandonados na cidade.
A entrevistada destaca que um dos artigos da lei prevê a promoção de informação e conscientização pública sobre guarda responsável, abandono e maus-tratos. No entanto, campanhas educativas por parte da administração municipal são raras ou inexistentes.
Sem informação, explica a protetora, a população continua a abandonar animais e a permitir a reprodução descontrolada. Segundo Márcia, esse é um dos fatores que mantém o problema sempre se repetindo, como um ciclo que jamais se encerra.
Outro ponto importante da lei determina que o município deve manter um registro atualizado da população de animais. Contudo, na prática, o que ocorre em nossa cidade é o registro apenas daqueles microchipados nos mutirões de castração. Isso cria um retrato parcial que não corresponde à realidade, pois, sem dados reais, não há como planejar políticas públicas eficazes, avaliar resultados e reduzir progressivamente o número de animais em situação de rua.
Além da ausência de ações estruturadas do poder público, há um aspecto que pesa diretamente sobre os protetores, que é a utilização do próprio recurso financeiro. Márcia relata que já investiu grandes quantias de seu próprio dinheiro em consultas, cirurgias, internações, medicamentos e alimentação para animais resgatados.
Apesar de os protetores contarem com descontos em algumas clínicas veterinárias que reconhecem o árduo trabalho voluntário realizado, os custos continuam elevados. Nos casos mais graves, é necessário que o animal receba cuidados pós-operatórios, o que implica em abrigá-lo em casa temporariamente ou pagar espaços específicos, o que também exige recursos.
Fato é que esse esforço constante gera sobrecarga financeira e emocional. Protetores lidam diariamente com urgências, sofrimento animal, falta de apoio e, muitas vezes, descaso da população e das autoridades. O sentimento de solidão diante de um problema coletivo acaba se tornando uma realidade dura, apesar da dedicação e do amor pelos animais.
É importante lembrar que a proteção animal não é uma escolha ou um favor. A Constituição Federal determina que é dever do Estado proteger a fauna e impedir práticas cruéis. Portanto, políticas de castração, fiscalização e educação não devem depender exclusivamente da boa vontade de pessoas físicas. São obrigações públicas que, quando negligenciadas, geram impactos que ultrapassam o campo afetivo, pois aumentam riscos sanitários, geram problemas ambientais, causam acidentes de trânsito e contribuem para a perpetuação da violência.
Por fim, a protetora aponta algumas medidas que poderiam melhorar esse cenário no município, tais como apoio efetivo no atendimento veterinário de animais sem tutores; realização de mutirões de castração mensais; criação de casas de passagem e recuperação pós-cirúrgica; auxílio na captura de animais que necessitam de tratamento; fornecimento de ração de acordo com o número de animais sob cuidado dos protetores; e mais agilidade e rigor na apuração de denúncias de maus-tratos.
Essas ações não são apenas possíveis, como já estão previstas em lei e trazem resultados positivos a médio e longo prazo. Quando o poder público assume sua responsabilidade, a realidade dos animais melhora e também diminui a sobrecarga sobre os protetores.
Enquanto isso não acontece, protetores como Márcia continuam ocupando o espaço deixado pelo Estado, cuidando de quem não tem condições de se organizar para suplicar por socorro ao Poder Público. Sabemos que os animais sabem se comunicar com o olhar, com gemidos e gestos e estão nas ruas implorando por ajuda, mas, atualmente, apenas os protetores fazem isso por compaixão.
Mas é preciso reconhecer que o amor, apesar de indispensável, não deve ser o único recurso disponível. A causa animal é coletiva, e sua solução depende do compromisso efetivo do Poder Público somado à conscientização da sociedade.