Filmes são instrumentos poderosos para criar tramas verossímeis e tornar o espectador crítico de situações ocorrentes numa sociedade. Ou, segundo Francisco Antônio Maciel Müssnich, as histórias sempre tratam do coletivo, numa dimensão em que somos todos iguais na nossa humanidade. A capacidade de se emocionar, criar empatia pelo outro e sentir raiva diante de uma clamorosa injustiça são universais, pouco importando a época, o estrato social e geográfico.
Os filmes de tribunais, muito comuns na produção cinematográfica norte-americana, têm um fundo jurídico no qual a história se desenvolve, e quase sempre realçam a performance de advogados e o conflito entre a falibilidade do sistema jurídico e a noção do que seria a justiça real. Um desses fatos comoventes está em "O sol é para Todos" que retrata uma sociedade preconceituosa, racista e injusta.
Esse filme destaca o dia a dia de Atticus Finch (Gregory Peck), que divide o seu tempo entre a criação dos seus dois filhos, Scout e Jem, e a profissão de advogado. Esse cotidiano, entretanto, é abalado pela notícia de estupro de uma mulher branca, e Atticus é chamado a atuar como defensor do acusado, Tom Robinson, trabalhador negro, que será julgado pelo Tribunal do Júri da conservadora população de Maycomb, dominada por concepções racistas.
Nesse filme destaca-se a personalidade e a conduta humanista do advogado, homem incorruptível e exemplar pai na criação dos seus filhos. No entanto, a partir do momento em que ele assume a defesa de Tom Robinson, passa a ser alvo de maledicências. Apesar de não haver ainda acusação formal contra o acusado, praticamente todos os cidadãos de Maycomb já têm um veredito: ele é culpado e indigno de defesa!
O advogado, no entanto, não se abala e mantém a mesma conduta firme em seus propósitos e crenças, ignorando os diversos insultos e boicotes. Nesse contexto, ele nos deixa uma grande lição:
"Coragem é quando você sabe que está derrotado, antes mesmo de começar, mas começa assim mesmo e vai até o fim, apesar de tudo. Raramente se vence, mas isso pode até acontecer."
Atticus demonstra a impropriedade da acusação, apoiando-se em provas, aniquilando de depoimentos e desestruturando a tese da acusação, com o empenho de convencer o corpo de jurados composto por homens brancos. O advogado permanece calmo, até mesmo quando é verbalmente agredido pelo pai da vítima em seu depoimento.
Uma das passagens mais emblemáticas do filme é quando, num diálogo com sua filha, Atticus explica de maneira exemplar e com a sua habitual tranquilidade:
"Você nunca entende uma pessoa até considerar as coisas do ponto de vista dela."
É um recado para a sociedade que julga sem conhecer a verdade dos fatos.
Apesar do empenho de Atticus, o Tribunal condena o réu. Prevalece o preconceito da sociedade racista.
Esse fato faz lembrar uma passagem histórica entre Evaristo de Morais Filho e Rui Barbosa. Evaristo fez uma consulta a Rui sobre a possibilidade de aceitar ou não a defesa criminal de um adversário político de ambos, o qual seria indigno de defesa pela opinião pública. Por meio de uma longa carta, Rui responde ao amigo que a defesa não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a acusação, pois a sua função consiste em ser, ao lado do acusado, a voz dos seus direitos legais. "A voz do direito no meio da paixão pública, tão suscetível de se demasiar, às vezes pela própria exaltação da sua nobreza, tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel", destaca.
Atticus demonstrou essa consciência no filme.
A carta-consulta e a carta-resposta estão no livro "O Dever do Advogado", de Rui Barbosa, e dele se extraiu grande parte para a edição do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, assim como do art. 133 da vigente Constituição Federal: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."
É um livro que todo advogado deveria ler. Nele há lições preciosas