A leishmaniose tegumentar (LT) é uma doença infecciosa, não contagiosa, transmitida pela picada de mosquitos flebotomíneos, popularmente conhecidos como mosquito-palha, infectados por protozoários do gênero Leishmania. A doença é uma zoonose, ou seja, afeta animais silvestres e domésticos, e pode ser transmitida aos seres humanos em áreas silvestres, rurais e periurbanas. A apresentação clínica da LT é variável, desde lesões cutâneas isoladas até formas mucosas e disseminadas. As lesões de pele normalmente se manifestam como úlceras com bordas elevadas e fundo granuloso, geralmente indolores, que podem evoluir para quadros graves se não houver tratamento adequado. A Fundação Ezequiel Dias (Funed) , por meio do Laboratório Central de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais (Lacen-MG), vinculado à Diretoria do Instituto Octávio Magalhães (Diom),realiza os exames laboratoriais essenciais para o diagnóstico da doença.
Nos últimos três anos, a Diom, em conjunto com a Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD) da Funed, desenvolveu uma nova ferramenta que utiliza a qPCR (Reação em Cadeia da Polimerase), possibilitando a detecção do material genético do parasito causador da leishmaniose tegumentar diretamente na amostra do paciente. Segundo o pesquisador da DPD ,Job Alves de Souza Filho,um dos responsáveis pela inovação, esses estudos resultaram em uma ferramenta que reconhece com maior precisão e sensibilidade o material genético das espécies causadoras da forma tegumentar da doença.
O pesquisador faz uso de uma analogia para explicar a inovação, comparando-a com uma “câmera com inteligência artificial, em um aeroporto lotado, treinada para reconhecer o rosto de um criminoso específico”. Neste caso, a nova metodologia proposta localiza o DNA do parasito da enfermidade. “No caso dos aeroportos, mesmo entre milhares de pessoas, é possível identificar o alvo com precisão se ele passar pela câmera”, compara. Do mesmo modo, o novo primer TL-82 detecta com exatidão o DNA do parasito causador da leishmaniose tegumentar em meio a milhões de outras sequências, sem confundir com nenhum outro. ”Isso permite identificar casos que antes passavam despercebidos com o primer antigo”, ressalta Job Alves.
O pesquisador Sérgio Caldas, coordenador do Serviço de Pesquisa em Doenças Infecciosas (SPDI) da Funed, também responsável pela inovação, destaca que o novo primer, uma pequena sequência de nucleotídeos de DNA que serve como ponto de partida para a replicação do material genético pela enzima polimerase, demonstrou ser 149 vezes mais eficiente na detecção do DNA do parasito. “Testes demonstraram que o número de casos positivos identificados dobrou em comparação ao primer anterior. Isso significa diagnósticos mais rápidos e confiáveis, especialmente em pacientes com baixa carga parasitária”,ressalta.
De acordo com diretor do IOM, Glauco de Carvalho, como o novo primer para identificação da LT, utiliza a mesma estrutura de qPCR já disponível nos laboratórios, o Lacen-MG, em termos operacionais e de custo, não necessita de investir em novos equipamentos ou em insumos caros. “A única necessidade é substituir o primer. Incremento esse que gerará uma melhoria significativa nos resultados, sem aumento expressivo de custos”, comenta o diretor.
A implantação da tecnologia no Lacen-MG foi oficializada internamente há duas semanas. “Vale ressaltar que a instituição é referência não apenas nacional, mas também um dos laboratórios mais avançados no diagnóstico da leishmaniose no mundo, considerando os fluxos inovadores estabelecidos na Fundação. O próximo passo é a ampliação do uso, além da articulação com o Ministério da Saúde para a possível atualização de protocolos nacionais”, explica Glauco.
Segundo a diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da Funed, Irene Arantes, a proposta é transformar essa tecnologia em um kit comercial padronizado para distribuição junto aos demais Lacens do país. “Essa iniciativa serve de exemplo de como a integração entre a pesquisa e o serviço público podem caminhar juntos. Afinal,trata-se de uma inovação científica com impacto direto na saúde da população, uma vez que permite acesso ao diagnóstico sensível e específico da leishmaniose tegumentar no SUS”, comenta Irene.
Segundo a chefe do Serviço de Doenças Parasitárias (SDP) da Funed, Letícia de Azevedo Silva, a leishmaniose tegumentar é uma doença tropical negligenciada e de notificação compulsória, em que todo caso confirmado deve ser investigado pelos serviços de saúde.
Ainda de acordo com Letícia, o diagnóstico da LT é baseado em fatores clínicos, epidemiológicos e laboratoriais, sendo que os exames laboratoriais são de extrema importância para a confirmação da infecção e para o diagnóstico diferencial. “O SDP realiza o diagnóstico da LT por meio do exame parasitológico direto (EPD) e da qPCR. Apesar de muito específico, o EPD tem menor sensibilidade na identificação de casos positivos, pois sofre interferência da carga parasitária e da experiência do microscopista para a visualização do parasito na amostra. O fluxo diagnóstico atual em Minas Gerais prevê a realização do EPD e, persistindo a suspeita clínica com resultado de EPD negativo, a amostra pode ser enviada ao Lacen para confirmação diagnóstica por qPCR", explica. Assim, o diagnóstico rápido e preciso é fundamental para o tratamento específico e oportuno da doença. "Essa nova ferramenta aprimora o diagnóstico da LT em MG e impacta diretamente na saúde das populações vulneráveis à infecção, especialmente em áreas endêmicas", reforça.
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