
O abandono de cães e gatos é uma lamentável realidade que atravessa nosso país. Em praticamente todas as cidades brasileiras, nos deparamos diariamente com animais vagando pelas ruas, desnutridos, doentes, assustados e à mercê da própria sorte. Filhotes nascem ao relento, cadelas e gatas recém-paridas famintas amamentando nas ruas. Esse cenário é resultado direto da falta de responsabilidade de alguns tutores somada à ausência de políticas públicas efetivas.
Muitas pessoas permitem que seus animais se reproduzam sem nenhum cuidado, não se preocupam em castrar seus cães e gatos e quando nascem filhotes, simplesmente descartam. Os animais errantes sempre são descendentes de outro que teve um lar e foi abandonado ou cruzou com algum em situação de rua. O abandono muitas vezes ocorre no portão de uma casa, na porta de uma clínica veterinária, em uma estrada ou, como frequentemente acontece, em frente à casa ou comércio de alguém conhecido como "protetor".
Existe uma crença equivocada de que as ONGs e os protetores independentes têm a obrigação de recolher e cuidar desses animais, como se existisse uma estrutura preparada para absorver todos os casos. No Brasil, no entanto, essa estrutura não existe. A legislação prevê que a responsabilidade pela proteção, bem-estar e controle populacional de cães e gatos é dos Municípios, com apoio do Estado. Em Minas Gerais, por exemplo, a Lei Estadual nº 21.970/2016 veda o extermínio de animais como forma de controle populacional e determina que o Município desenvolva ações de prevenção e enfrentamento ao abandono, incentivo à castração, punição aos maus-tratos e promoção de bem-estar.
No entanto, o que se observa na realidade é que grande parte dos municípios não mantém programas eficientes de castração, não dispõe de atendimentos veterinários gratuitos ou mesmo campanhas educativas permanentes. Assim, o problema cresce sem controle, e a sociedade, injustamente, empurra a responsabilidade para quem ama os animais.
As ONGs no Brasil, em sua maioria, são pequenas e sobrevivem com extrema dificuldade financeira. Dependem de doações esporádicas, bazares e vaquinhas. Mesmo quando possuem abrigo, rapidamente se veem superlotadas. Esse cenário também é agravado pela cultura de abandono, pois, ao saber que existe um abrigo, algumas pessoas irresponsáveis passam a abandoná-los com ainda mais frequência, acreditando que alguém sempre dará um jeito. Já os abrigos públicos que existiram em algumas cidades se tornaram lugares insalubres, sem controle sanitário adequado, onde doenças se espalhavam com facilidade e onde os animais sofriam ainda mais.
A solução nunca foi, nem será, simplesmente "ter onde colocar". A única medida efetiva e ética é a castração contínua, acessível, acompanhada de educação e fiscalização de abandono.
É nesse vazio que surgem os protetores independentes. São pessoas comuns que, movidas por compaixão, se dispõem a resgatar, tratar, alimentar e buscar adoções responsáveis para animais em situação de rua. Essas pessoas se dedicam de forma intensa e constante, muitas vezes abrindo mão do próprio descanso, do próprio dinheiro e até da própria saúde. No entanto, a sociedade costuma tratá-las como se tivessem a obrigação de resolver um problema que é de todos.
Há quem exija que o protetor resgate o animal abandonado em sua porta, como se isso fosse simples ou como se ele tivesse um espaço infinito e recursos ilimitados. A cobrança é grande, o reconhecimento é pequeno e o desgaste emocional é um dos maiores pesos que carregam.
Em entrevista a esta coluna, a protetora de Pedro Leopoldo, Bárbara Miranda, afirma que não se sente amparada pelo poder público na causa animal. Segundo ela, embora existam leis que deveriam garantir proteção e bem-estar aos animais, muitas vezes essas normas não são cumpridas e é necessário recorrer a instâncias superiores para obter respostas, que, na maioria das vezes, não resultam em ações efetivas.
Para Bárbara, a maior dificuldade é justamente a falta de compromisso do município em cumprir suas responsabilidades, desde campanhas de conscientização até a implementação de políticas públicas de proteção. Ela relata que, assim como a maioria dos protetores independentes, utiliza recursos próprios para cuidar de animais em situação de rua. Não o faz por ter condições financeiras, mas por sentir uma obrigação moral diante da omissão do poder público. Além do esforço pessoal, a protetora também recorre a campanhas e conta com a ajuda da parte da população que apoia a causa.
Na visão de Bárbara, o primeiro passo para melhorar essa realidade é reconhecer a proteção animal como uma questão de interesse público e saúde coletiva. Ela defende que o trabalho dos protetores, hoje realizado sem suporte e sem estrutura, precisa ser reconhecido e apoiado pelo Estado, com políticas organizadas e condições dignas para aqueles que dedicam suas vidas a defender quem não pode falar.
Sempre enfatizamos aqui que, além de tudo que foi mencionado pela protetora, é fundamental compreender que qualquer pessoa pode ajudar. Ao encontrar um animal abandonado, a solução não é procurar a ONG ou um protetor para resolver. O problema do abandono não será resolvido por meia dúzia de protetores, mas pela consciência coletiva somada à fiscalização do Poder Público. Quando entendemos que a vida dos animais também demanda respeito e responsabilidade, avançamos como sociedade.
E, nesse avanço, ninguém precisa carregar sozinho o peso que é de todos.
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