O atropelamento de um cão no cruzamento da linha de trem, em pleno horário de almoço, no centro de Pedro Leopoldo, reacendeu discussões sobre a responsabilidade de motoristas e o tratamento dado aos animais em situação de rua. Alguns transeuntes puderam ver, estarrecidos, o momento em que o filhote foi atingido por um veículo que seguia em velocidade incompatível com a via e que não apresentou qualquer tentativa de frear, desviar ou retornar para verificar o estado do animal. A cena causou revolta naqueles que testemunharam não apenas pela violência do impacto, mas principalmente porque o cão, ferido gravemente, permaneceu agonizando até morrer sozinho. O episódio, que não foi isolado (haja vista termos notícias de outros com o mesmo final infeliz há pouco tempo), provocou indignação entre protetores dos animais, que cobram mais rigor na responsabilização de quem atropela e abandona um animal ferido.
Embora o Código de Trânsito Brasileiro ainda não traga punição específica para atropelamentos de animais e omissão de socorro, especialistas explicam que existem caminhos legais possíveis. O Projeto de Lei 4.786/2020, que tramita no Senado, pretende alterar o CTB justamente para responsabilizar condutores que causarem acidentes com animais e não prestarem socorro, estabelecendo penas que vão de seis meses a dois anos de detenção, além de suspensão ou proibição para dirigir. Em paralelo, no campo penal, há a possibilidade de enquadramento da conduta como maus-tratos quando há dolo (intenção) — como, por exemplo, acelerar o veículo em cima do animal — ou também por dolo eventual, ou seja, quando o motorista assume o risco da morte do animal ao deixar de prestar socorro.
Especialistas em Direito Animal explicam que, se o condutor tinha condições de parar e socorrer, mas escolhe não agir desta forma, contribui diretamente para o agravamento das lesões, o que permite a imputação do crime previsto no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais. Desta forma, mesmo que não exista na legislação federal um tipo penal específico para omissão de socorro a animais atropelados, há respaldo jurídico para responsabilizar condutores.
Enquanto Pedro Leopoldo ainda discute políticas públicas para o tema, Belo Horizonte já avançou nesse caminho. Em abril de 2023, a capital mineira sancionou a Lei nº 11.486/2023, tornando obrigatória a prestação de socorro a animais atropelados. Ela determina que motoristas, passageiros, motociclistas, ciclistas ou qualquer condutor envolvido no acidente devem socorrer imediatamente o animal ou, caso não possam fazê-lo, acionar a autoridade pública. Além disso, dispõe que a Prefeitura mantenha um canal oficial para relatos de atropelamentos, garantindo que a ocorrência seja registrada e que o animal receba atendimento. A existência dessa lei municipal mostra que é possível criar regulamentações locais que protejam os animais e responsabilizem a omissão, servindo como modelo para outras cidades, especialmente aquelas que ainda não possuem hospital público veterinário e dependem do trabalho de voluntários.
A discussão torna-se ainda mais urgente quando se observa que, além dos animais domésticos, o atropelamento de fauna silvestre é uma tragédia silenciosa no Brasil. Pesquisas do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas estimam que mais de 475 milhões de animais silvestres morrem atropelados por ano no país. Em Minas Gerais, espécies como tamanduás, capivaras, lobos-guará e até onças são frequentemente vítimas de colisões em rodovias como a MG-010, MG-424 e BR-040. Esses acidentes não apenas causam sofrimento aos animais, mas também ameaçam espécies já vulneráveis e trazem riscos aos próprios motoristas. A ausência de passagens de fauna, sinalização adequada e fiscalização torna as estradas brasileiras um verdadeiro corredor de morte para a biodiversidade.
O caso do cãozinho que agonizou até morrer no coração de Pedro Leopoldo demonstra, de forma dolorosa, o quanto a proteção animal ainda é frágil. Ele evidencia a necessidade de políticas públicas municipais que obriguem o socorro e reforça que a responsabilidade não é apenas do Estado, mas também de cada cidadão que testemunha um atropelamento e que pode fazer a denúncia. O debate sobre a criação de leis semelhantes precisa ganhar força em cidades menores, onde a dependência do trabalho de protetores é enorme e a ausência de estruturas públicas agrava ainda mais o problema. Enquanto isso, vidas continuam sendo perdidas, algumas silenciosamente nas estradas, outras à vista de todos, no centro da cidade. Até quando o atropelamento de animais será tratado como um acidente inevitável e não como uma falha humana, social e ética?
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