Muitas vezes, quando presidia um jul-
gamento do Tribunal do Júri, eu me referia
ao filme emblemático “Doze Homens e uma
Sentença”, e dizia que o sistema brasileiro era
muito superior ao norte-americano, porque no
nosso caso cada jurado é livre para decidir,
segundo a sua consciência e cujo voto é abso-
lutamente secreto.
Esse filme é uma crítica àquele sistema,
tanto assim que o caso tem pouca importân-
cia. Não há imprensa no julgamento, apenas
vítima, réu e testemunhas. A acusação é con-
duzida por um modesto promotor substituto
e a defesa está a cargo de um advogado sem
inspiração.
Trata-se de um caso extremamente grave,
porque o réu foi acusado de parricídio, cuja
pena prevista para a condenação é a morte na
cadeira elétrica.
O juiz, ao entrar na sala reservada, adverte
os jurados de que não poderão se retirar dali
sem uma decisão unânime. Não parecia um
grande problema, visto que qualquer um
que observasse o caso não teria dúvidas da
culpabilidade do réu, com exceção de um ju-
rado. Este pede a seus colegas que repensem
tudo o que observaram durante o julgamento,
para espancar qualquer dúvida. A partir dali
cada um dos jurados terá de enfrentar seus
preconceitos e crenças para dar ao réu um
julgamento justo.
Cada jurado se defronta com os seus limi-
tes e sua humanidade, e tem de decidir sobre a
culpa ou inocência do réu. A primeira votação
revela um júri quase unânime pela condena-
ção, com exceção do jurado no 8, que possui
um forte poder de liderança e argumentação,
e lança dúvida sobre os demais.
Há uma cena impactante: parte da acu-
sação depende da demonstração de que
a arma encontrada na cena no crime não
possui similar. Mas o jurado n° 8 exibe uma
igual àquela e a crava na mesa, e esse fato
desqualifica parte da tese da acusação. Em
face disso, a cena implode as convicções de
alguns jurados, antes tão firmes, que passam
a demonstrar insegurança e a angústia da
dúvida.
No nosso sistema jurídico, exige-se que
a deliberação do júri se arrime em provas
apresentadas durante o julgamento. Com
isso, garante-se não apenas a convicção
dos julgadores, mas também os princípios
jurídicos fundamentais destinados a realizar
um processo judicial e um julgamento justo,
e a garantia do contraditório. No entanto,
quando apresentada qualquer prova que não
tenha sido exibida durante o processo, põe-
-se em razoável dúvida o sistema jurídico,
como é o caso do norte-americano.
O cansaço dos jurados é evidente, depois
de várias horas presos numa sala descon-
fortável. Passa-se nova rodada de votação.
Agora são nove jurados decididos a absolver
o réu; apenas três votam pela condenação.
Todos estão sentados à mesa. Apenas o jura-
do n° 10 está de pé, homem de meia-idade,
amargo e raivoso, e inicia o discurso de ódio
e preconceito contra o réu, egresso de uma
família paupérrima da cidade e integrante da
chamada minoria latina.
Enquanto ouvem a mensagem enfado-
nha, os jurados, aos poucos, levantam-se,
afastam-se da mesa e viram-lhe as costas.
Por fim o jurado n° 4, homem objetivo e
comedido até esse momento, dirige àquele
jurado duríssimas palavras, mas com voz
comedida e racional adverte-o sobre o
preconceito.
Ao final, prevalece o axioma in dubio
pro reo [na dúvida, a favor do réu], um
princípio jurídico baseado na presunção
da inocência, segundo o qual ninguém
é culpado até que se prove o contrário.
Isso porque é preferível mil culpados
absolvidos a um só inocente condenado. A
condenação de um inocente é irreparável.
O sistema brasileiro é muito bom,
porque (a) uma vez sorteados, os jurados
não poderão comunicar-se entre si ou
com outrem, nem manifestar sua opinião
sobre o processo; (b) formado o Conselho
de Sentença, o juiz concitará os jurados a
examinar a causa com imparcialidade e a
proferir a decisão de acordo com a cons-
ciência de cada um e os ditames da jus-
tiça. As decisões do Tribunal do Júri são
tomadas por maioria de votos, e não por
unanimidade, além de serem soberanas.
“A injustiça que se faz a um é uma ame-
aça que se faz a todos” (Montesquieu).
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